sexta-feira, 13 de maio de 2011

Estrutura fraca

O espetáculo é uma adaptação do conto homônimo do escritor uruguaio Horácio Quiroga (1878-1937). Na encenação, além dos atores, há bonecos de pano e de madeira. Bertita, a filha, é quem narra a história, com olhos firmes para o público. “A galinha degolada” é um espetáculo com pontos positivos e pontos negativos em equilíbrio.


Os personagens Berta e Mazzini se casam e têm quatro filhos. Um pouco antes de completarem dois anos, todos os quatro, cada um a seu tempo, são cometidos de uma doença que, antigamente era chamada de Idiotia. O termo hoje já foi abandonado por toda a psiquiatria, tendo sido substituído por vários outros mais específicos. Quiroga, diferente de Dostoievski, usa o termo para nomear um tipo de apatia que impede o portador de realizar tarefas simples como a própria higiene, por exemplo.  A palavra “idiota”, no entanto, já dispensou o significado “doente”, deixando esse sentido em abandono. O idiota, hoje, não é aquele que é vítima, mas o culpado pelos resultados de sua desatenção. O termo é pejorativo e o seu uso na peça prejudica bastante o espetáculo aqui em questão. A plateia ri quando o termo é mencionado, os filhos são motivos de troça, o que discorda de todos os outros signos, esses dispostos não em direção a uma comédia, mas um drama. Ao organizar os sentidos, “A galinha degolada”, enquanto encenação, falha por estruturar seus signos de forma inconstante.



Quatro bonecos de pano fazem os primeiros quatro filhos do casal Mazzini e Berta. Os pais e a empregada, atores dos grupos Persona Cia de Teatro e Teatro em Trâmite, conduzem suas interpretações utilizando uma técnica bastante marcada que quebra definitivamente o ritmo, separando a encenação de qualquer possibilidade de realismo e distanciando o espetáculo do público e consequentemente de quem ouve a história. Aceitar o acordo e dispor-se a fruir, assim, é um ato que encontra barreiras. Não fosse tão lento o ritmo, seria possível ler a obra pelo viés do realismo fantástico. Não sendo cronológica a narração, poderíamos pensar a encenação como manifestação do teatro do absurdo. Não sendo tão marcadas a maquiagem, o figurino e a trilha sonora, seria interessante fruir a partir do realismo psicológico ou naturalista.  “A galinha degolada”, assim, é de difícil leitura e complicada fruição.



Ao concordar com a estética destinada aos bonecos, os figurinos e a maquiagem encontram uma manifestação adequada e potente pela coesão que expressa. Pode-se dizer que esses são os grandes e bons valores de “A galinha degolada”, espetáculo catarinense participante da 6ª edição do Palco Giratório, promovido pelo SESC/Porto Alegre. No entanto, além do ritmo extrema e inexplicavelmente lento, a trilha sonora, essa uma colagem de músicas clássicas e de outras canções, se vincula ao expressionismo, empobrecendo o roll de opções estéticas feitas pelo diretor Jefferson Bittencourt. O resultado é um espetáculo com tantos valores positivos quanto negativos do ponto de vista de sua teatralidade.



Em termos de dramaturgia, o espetáculo propõe uma questão interessante se pensarmos na sua relação com o conto de Quiroga. No conto, os quatro meninos ficam impressionados com a quantidade de sangue na degola da galinha que servirá para a refeição da família. De volta ao pátio, encontram a pequena irmã tentando escalar o muro e repetem com ela o que viram a empregada fazer com a ave. Na peça teatral, a disposição dos signos permite que o espectador saia com dúvidas sobre a real existência de uma menina. “Para mim, eles criaram a galinha! Foi ela quem morreu!” – conversavam alguns espectadores na saída do teatro. O arranjo é rico e propõe várias discussões. Na reflexão sobre esse elemento dramaturgico, o teatro engrandece a obra literária e é enriquecida por ela. Pena que o mesmo sucesso não se manifesta nos demais elementos que estruturam esse espetáculo.



Ficha técnica:
Texto: Horacio Quiroga
Tradução e adaptação: Gláucia Grigolo, Jefferson
Bittencourt
Direção: Jefferson Bittencourt
Elenco: André Francisco, Gláucia
Grigolo, Loren Fischer, Samantha Cohen
Cenário e adereços: Jânio Roberto
de Souza
Figurino: Gláucia Grigolo, Samantha Cohen
Maquiagem: Adriana
Bernardes
Trilha sonora e iluminação: Jefferson Bittencourt
Técnicos:
Jefferson Bittencourt, Lorenzo Souza / Realização: Persona Cia. de Teatro e
Teatro em Trâmite
Classificação etária: 12 anos
Gênero: teatro adulto
Duração: 45 minutos

Por Rodrigo Monteiro
http://www.teatropoa.blogspot.com/ /

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